quinta-feira, 25 de junho de 2009

O Caso de Lorde Dufferin


Esta é a história de um aviso misterioso, fantástico, que salvou a vida de personagem não menos importante que o famoso Lorde Dufferin, àquele tempo embaixador da Inglaterra na França. Anteriormente ele havia se distinguido como governador-geral do Canadá, embaixador na Itália e governador-geral da Índia. Os pormenores desta história foram cuidadosamente investigados pelo renomado psicólogo francês de Maratray, que os comunicou à Sociedade Britânica de Pesquisas Psíquicas.

Lorde Dufferin aceitara um convite de um velho amigo, Sir Henry B., para visitá-lo na Irlanda. É uma bonita noite de luar. Tudo está calmo e sereno. Lorde Dufferin despe-se lentamente, recolhe-se ao leito e logo adormece. Mas, sem nenhuma razão, desperta subitamente. Toda a atmosfera do quarto parece estranhamente transformada... como que carregada de um fluido elétrico! Dufferin sente ao seu redor qualquer coisa de pressago e agourento, que não pode explicar.
O luar fantasmagórico enche o aposento. Ele acende a luz. O ambiente fica livre de sombras fantásticas. Ele se sacode para certificar-se de que está acordado. Acende um cigarro e procura acalmar-se. Tem os sentidos estranhamente alertados, mas não pode descobrir coisa alguma que justifique aquele esquisito sentimento de premonição.
- Bem - diz consigo Lorde Dufferin - o luar está me causando alucinações como a uma mocinha crédula. Aliás, todas estas velhas mansões irlandesas tem fama de mal-assombradas. Talves um fantasma ou uma banshee (espírito feminino que, segundo uma crença irlandesa, anuncia às famílias a morte de um parente) esteja vagando esta noite.
Ele realmente não acredita em tolices semelhantes. Tais superstições nada significam para pessoas de espírito positivo.
As janelas estão abertas. Que sons são estes? Ora, algum pássaro tardio que canta. E há também grilos e sapos. É... mas este lamento longo, soturno... que é? Não sopra a menor brisa. Não pode ser o sussurrar das árvores lá fora, nem o frufru das cortinas em seu quarto. Ora, uma coruja, naturalmente... Mas aí está outra vez! Parece voz humana, arquejante, plangente! Talvez alguém esteja ferido. Salta do leito e aproxima-se das portas envidraçadas.
São amplas portas que dão para um parque ensombrado de velhas árvores majestosas. Os sons parecem vir da sombra densa produzida pelas ramagens. Dufferin permanece perscrutando a escuridão, quando subitamente alguma coisa começa a mover-se. Os lamentos e arquejos continuam. Uma figura emerge das trevas e surge iluminada pelo luar. É um homem vacilante sob o peso de enorme fardo que leva nos ombros: uma coisa preta, em forma de caixa, que esconde de Dufferin o rosto do homem.
Ambos estão agora banhados pela luz clara da lua, e Dufferin vê que o homem carrega um grande caixão de defunto. Estará alguém levando um corpo? Dufferin alcança o homem e diz:
- Um momento! O que leva aí?
A esta interpelação, o homem levanta a cabeça e Lorde Dufferin vê um rosto de tão vampiresca fealdade, tão terrivelmente repulsivo, que recua um passo. É um rosto tão repelente e contorcido de maldade que fica indelevelmente marcado na mente de Dufferin.
Ele agora se recupera e grita:
- Aonde vai com isso?
E ao aproximar-se do homem com o caixão para detê-lo, este desaparece diante de seus olhos. Dufferin avançara através dele e do caixão! Não avista pegadas na relva úmida de orvalho. Nada senão o luar zombeteiro e os ruídos misteriosos da noite.
Dufferin está todo arrepiado, mas não deseja acordar os moradores da casa e volta ao seu quarto, onde descreve em seu diário, com todos os detalhes, a estranha ocorrência.
Imediatamente após o desjejum na manhã seguinte, ele interroga Sir Henry. É informado de que não houve falecimento ou enterro recente na aldeia, nem ninguém pode reconhecer, conforme o descreve, o homem que viu carregando o caixão.
O mistério permaneceu. E se não tivesse uma sequência, esta história podia ter ficado como outros desses eventos intrigantes que gradualmente se transformam em lenda.
Alguns anos depois, Lorde Dufferin é nomeado embaixador na França e, no desempenho de suas funções, comparece a uma recepção diplomática no Grande Hotel de Paris. O foyer do hotel está apinhado de representantes de todos os países. Com seu secretário particular, Dufferin dirige-se a um dos elevadores, diante do qual estão reunidos vários diplomatas. Espera-se respeitosamente por Lorde Dufferin, pois o embaixador de Sua Majestade tem precedência. Dufferin, passando por entre elas, distribui gentis cumprimentos.
Abre-se a porta do elevador. Dufferin vai entrar - quando subitamente avista o cabineiro. Dufferin estaca com um estremecimento de horror! Com um gesto rápido detém o seu secretário.
Ele vê diante de si aquele mesmo rosto que se gravou em sua memória, há anos, na Irlanda. Olha aterrorizado para o homem. Sim, a mesma fealdade repulsiva, as mesmas feições contorcidas de maldade. Mas como tinham aquele rosto horrendo, perverso, e aquele inconfundível corpo disforme podido se transportar, através dos anos, de um solitário parque enluarado ao elevador do Grande Hotel de Paris? Estes pensamentos cruzam a mente de Dufferin rapidamente.
Dufferin é possuidor de notável autodomínio. Do ponto de vista de um observador, parece que ele mudou de idéia. Ele murmura algumas escusas convencionais e pede aos outros diplomatas que não o esperem. Deixa ficar lá o seu secretário.
Alguns dos diplomatas entram no elevador. Fecha-se a porta e o elevador sobe. Dufferin precipita-se para o escritório do gerente do hotel. Está justamente perguntando-lhe quem é aquele cabineiro e de onde vem. Mas, antes que o gerente lhe possa responder, ouve-se um formidável estrondo. Gritos de angústia enchem os corredores. O secretário de Dufferin surge com os olhos esbugalhados. Aconteceu um acidente horrível. O elevador em que Dufferin recusara entrar - manobrado pelo homem que vira anos atrás na Irlanda - tinha subido até o quinto pavimento... quando de repente o cabo se rompera e o carro despencara, esmagando e mutilando todos em seu interior!
O acidente é histórico. Os jornais da época noticiaram-no amplamente. O misterioso cabineiro morreu, junto com os que estavam no elevador. Nunca se soube quem era. Com todos os recursos do Serviço Secreto de dois países à sua disposição, Lorde Dufferin não foi capaz de apurar-lhe a identidade.

From: As Melhores Histórias Reais de Crime, Mistério e Suspense - Seleções do Reader's Digest - Editora Ypiranga, 1963.

OBS.: Fui no Google e coloquei todas as combinações possíveis de palavras sobre o assunto e não achei NADA que confirme a história. Fui até no Le Monde procurar nos arquivos se tinha alguma coisa do acidente no elevador e não achei. Só achei que esse Lorde Dufferin existiu mesmo. Enfim.

Listening to: Arcade Fire - Haiti

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